segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Artigo no Santa e debates na Nereu

Professores da FURB destacaram-se em espaços jornalísticos por conta da eleição presidencial. Ontem, o professor Clóvis Reis participou do debate na rádio Nereu Ramos, antes, durante e depois do anúncio do resultado em favor da reeleição de Dilma Roussef, na eletrizante noite de domingo, ao lado de Luiz Carlos Nemetz e Carlos Tonet, mediados por Paulo César - que jogou na arena ainda convidados especiais, por telefone, que interagiram com os debatedores - uma longa jornada.


Hoje de manhã, na mesma emissora e com o mesmo jornalista, foi a vez do agora doutorando Nélson Garcia Santos. Ouça a entrevista de 30 minutos em que Nélson (na foto, à esquerda) analisa os resultados da urnas.

No Santa, o professor Luciano Florit emplacou artigo ao lado do editorial da RBS, hoje. Comenta o processo eleitoral em texto encaminhado ao jornal na terça-feira. Mas não perde atualidade por pregar a valorização da democracia e avaliar o comportamento das correntes que disputaram o Planalto, definidas como "elitistas" e "populistas". 



O texto publicado pelo Santa (ao lado) é a redução do texto original para encaixar no espaço do jornal. Leia abaixo a versão completa do artigo, também importante contribuição da FURB para reflexão e debate.

Equívocos liberais e socialdemocratas

Defensores de ambos os lados na disputa eleitoral no Brasil parecem se orgulhar de algumas das suas limitações. Estas afetam a reflexão política e atrasam a melhoria de qualidade da democracia brasileira.

Naqueles mais seduzidos pelo discurso liberal do PSDB (aquele que, pelo enredo da política, tem em sua sigla a expressão “social democracia” embora não o seja) costuma vigorar uma crença excessiva nos esforços individuais como sendo os determinantes das oportunidades, competências e bens de que gozam. Estes, facilmente se percebem como indivíduos heroicos que graças apenas a seu próprio esforço gozam de merecidas vantagens diante daqueles que, por serem preguiçosos e diletantes, hoje se encontram em desvantagem. Trata-se de uma percepção errada da própria situação, sempre produto da interação com outros e resultado de uma realidade interdependente. A própria constituição do indivíduo é impensável sem uma realidade produzida em interdependência com outros e com instituições que, dentre outras coisas, tem lhe garantido a sobrevivência ao nascer.

Chamo a esta distorção de equívoco elitista. Elitista, porque a negação da interdependência da qual se beneficiou tem como consequência obstaculizar a possibilidade de que outros obtenham benefício equivalente. Equívoco, porque cedo ou tarde sofrerá a consequência da falta de solidariedade que hoje o orgulha.
O equívoco elitista se manifesta de diversas formas. Uma delas é o cinismo egoísta que caracteriza aqueles que, por exemplo, não conseguem perceber a solidariedade de que se beneficiaram ao passar no vestibular, obter um financiamento ou realizar bons lucros com seu empreendimento. Nem se fale então do cinismo daqueles que sequer precisam de financiamento, pois seus bens já são garantidos por herança, ou sequer precisam empreender, pois serão diretores na empresa da família. O regionalismo separatista é outra forma equívoco elitista, assim como o são certos discursos que, disfarçadamente, invocam superioridade de classe ou raça.

Talvez, o equívoco elitista expresse o componente conservador dessa corrente política, mas isto não deve passar despercebido pelos adeptos do liberalismo nos costumes e a política. É que liberalismo e conservadorismo, hoje associados, são de fato opostos históricos. O liberalismo político é aberto à liberdade nos costumes e as transformações sociais em nome da igualdade, e também é avesso ao controle do Estado por entender que a liberdade econômica é componente essencial da liberdade social e política. Já o conservadorismo, uma atitude de aversão às mudanças (inicialmente, as mudanças que o liberalismo apregoava!) hoje se garante com a dinâmica do livre mercado que, como todo mundo sério sabe reconhecer, tende a reproduzir desigualdades e privilégios.
O lado socialdemocrata no PT também cultiva seus equívocos, sendo o mais preocupante a sua insuficiente afeição pelas instituições republicanas democráticas. Esta insuficiência se explica pela percepção de que as instituições seriam, como Marx argumentou, resultado da imposição política. Trata-se de um realismo político que não tem dificuldade em justificar os meios em função de certos fins, tidos como necessários para a transformação social. Essa insuficiente afeição pelas instituições tem tornado seu programa socialdemocrata dependente do carisma do líder. Este, percebido por muitos intelectuais de esquerda como o único modo de convidar e articular as massas, consolidou-se como interlocutor privilegiado do povo, para além das instituições e do próprio partido.

Chamo a este de equívoco populista. Populista, pois negligenciou o respeito às instituições em função do realismo político coordenado pelo líder. No caso da experiência em curso no Brasil a principal instituição afetada foi o próprio partido, construído em décadas de lutas de diversos setores populares, porém diminuído em seu conteúdo substantivo com a imposição de sucessões (como a própria Presidenta) e a renúncia a bandeiras importantes em função da governabilidade. É equívoco porque sem várias das suas bandeiras e sem a dinâmica interna capaz de renovar suas lideranças, seu projeto socialdemocrata ficou enredado no histórico patrimonialismo do Estado brasileiro, os arranjos com oligarquias regionais, e uma burocracia tecnocrática que, como consequência impremeditada das suas intenções de transformar o Brasil para melhor, foi conivente com as já dantes conhecidas perversidades do sistema político brasileiro.

São muitas as razões pelas quais a democracia deve ser valorizada enquanto regime político, mas destaco aqui duas. Por um lado, na democracia os diversos sistemas de valores e interesses são obrigados a conviver e a se subordinar a procedimentos de tomada de decisão nos quais não há donos da verdade. Por outro lado, sem esse equacionamento de interesses e valores, que são a essência da política, a lógica capitalista tenderia à exacerbação das iniquidades, inviabilizando a coesão social e aniquilando as diversas aspirações legítimas da maioria das pessoas.
Tenho comigo que sem os equívocos populista e elitista, a democracia brasileira teria melhores condições de aprimorar a sua qualidade, melhorando suas instituições e diminuindo suas iniquidades.
Luciano Félix Florit
Blumenau, Outubro de 2014

Este texto é dedicado aos estudantes da Disciplina Teoria do Estado e Ciência Política do Curso de Direito da FURB, que com suas indagações e dúvidas fizeram surgir esta reflexão.

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